sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O homem sem tempo

Ele era um homem sem tempo. Sem tempo por não pertencer nem à sua época, nem à nenhuma.

Era guiado pelo gosto. Gosto estudado sobre o que lhe cabia bem. E usava da contemporaneidade para brincar de vaidades e aprender verdades.

Mas não era vitimado pelo tempo em que se via agora, e que nem era seu.
Ele gostava de ligações curtas e citações velhas.
E tinha manias velhas aprendidas em outra vida.
Gostava de desafiar as prisões confortáveis e impertinentes onde as pessoas se aconchegam e se sentem em comunhão com a vida. Todos presos por escolha ou ignorância. Não sabia ele, por mais que tentasse saber, o que significava a introdução das frases reclamatórias dos que se creem velhos - No meu tempo... Que tempo? Existe faixa etária onde o tempo é seu, e depois, mesmo vivo, morre-se e perde-se o tempo? Passa o seu tempo a ser do outro? Como uma herança arrancada em vida? Revoltados com o roubo do que lhes pertenceu um dia, reclamam e clamam por "seus tempos".

Este homem era atemporal. Claro que, por ainda fraqueza da natureza, suas células obedeciam o ciclo vicioso do nascer, crescer, morrer. E isso o mascarava como objeto temporal. Mas era só sua máscara. Também seu brinquedo do hoje.

Seus relógios lhe serviam como adorno. Pesavam em seu punho e paredes como objetos de arte mal entendidos. E as horas, as horas ele respeitava como maneira de proteger sua liberdade do tempo, pois, seguindo as horas dos homens e seus compromissos, não precisava das explicações. E mesmo nas horas dos homens, o tempo e ele se entendiam magicamente, sem que o falso controle lhe quitasse a sensação da vida, dona verdadeira do passar das horas.

O homem fazia muito, e gostava de olhar sua cronologia. Era esforçado pra fazer a verdade colar-se em medidas mentirosas. Mas, como tudo que é em vão, pode ser passatempo divertido já que o tempo não passa, pois é sem fim.

E ele sabia, pois quando dormia via, que passeava em todos os tempos. Trazia suas coisas insólitas de uma vida à outra, que corriam paralelas entre o Sol e a Lua. Gostava mais de Sol. Mas o sair do Sol, dava-lhe a noite. E nela abria dentro dos olhos dormidos, os olhos do outro tempo - o tempo eterno e sem idade.

Ele escorregava na areia da ampulheta  que media a existência. E pulava sobre os ponteiros de seu relógio parado.
Gostava do agora. Mesmo não sendo dele, cabia ali os seus gostos, nutria ali suas vaidades, e aprendia, com esse tempo todo que não tinha, algumas verdades - absolutamente relativas, relativamente absolutas, as suas verdades.




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