quinta-feira, 14 de março de 2013

Pureza

Saí do trabalho rumo ao abraço.

Pedalei pacientemente, até o pitstop intencional para uma rápida visitinha.

O porteiro me confunde com alguém. E eu finjo ser esse alguém. Entro no elevador rindo. Abro a porta do apartamento escuro e destrancado. O corpo do menino esparramado no sofá com cheiro de sono me olha e sorri.
Sem sair do sofá me abraça forte. Iniciamos o questionário básico de amigos com saudades.
Ele fala de trabalho, eu falo de trabalho. No meio do gesticular, descubro nele uma nova tatuagem, e ele me mostra em seu caderninho o desenho, me conta o significado, e fala sobre os elementos do seu mapa astral. 
Discutimos amenidades e fofocamos sobre vizinhos interessantes. Os vizinhos dele. E o meu vizinho. Ele resolve pausar o filme, que interrompi sem pedir licença. Deixei o pobre Petit Nicolas falando francês com as paredes. 
O tema muda. Compomos um mini discurso anti drogas. Que bonitos somos. E esperançosos.
Eu pergunto, ele responde: A menina linda com quem sai  esta fisgando bastante espaço na sua vida. Que bonitinho. Ele é esperto e  faz a leitura da princesa de uma forma tão realista. Sinto orgulho de mãe. 
Ele é movido pelo tesão juvenil. Compartilha os fatos comigo como se estivesse no divã. Me sinto uma terapeuta vivida, uns 30 anos mais velha que ele. Ele pede minha opinião. Eu escuto tudo sorrindo, e opino.

Ele me elogia e muda de assunto. Faz cócegas e me embala num abraço sonolento. Começo eu a contar minhas aventuras enquanto ele me olha, com uma ruga na testa. É preocupação. Ele se preocupa comigo. E eu, com ele. 
Acompanho o amadurecer desse menino-homem. A gente se escuta, e ele sorri pra mim, a mulher-menina. 

Já é tarde, preciso pedalar antes que o sono me pegue desprevenida nesse sofá quentinho. Observo analiticamente seus gestos antes de me despedir. Que pessoa livre, meu Deus. Me vejo nele todinha. Inclusive nas faltas de noção. Aprendo a medir minhas palavras ouvindo seus baldes de frases sem cuidado com meus ouvidos (mesmo mal-medidas, todas têm amor, e são sinceras).

-Passa pra me visitar?
-Passo, vamos inventar alguma coisa. 
-Quero conhecer tua gatinha.
-Hahaha, ah Mari...

-Boa noite, te cuida.
-Vai com cuidado, catarininha. 

Existe pureza. 

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