quarta-feira, 17 de abril de 2013

A caneta e o açúcar

Sento, me equilibro no banquinho sem acento que desafia meu corpo cansado. Apóio meus cotovelos nas embalagens de mariolas que devorei pra acalmar o pensamento.

Já é tarde, mas a vontade de escrever não passa, tento ocupar minha atenção me concentrando em desgrudar a mariola dos meus dentes. Elas parecem taradas. Agarram as gengivas por todos os lados, derretem-se ao redor do ídolo-dente.

E a vontade de escrever permanece. Rabisco todas as palavras que a caneta quiser, pra ver se dá rima. Quero compor outra música. Quero cantar minha composição, musicada por algum amigo que me acompanharia nesse acústico voz&violão não ensaiado.

Preciso pensar devagar. A regras de acentuação e pontuação não acompanham a velocidade do meu punho, que trabalha em apnéia, sem parar pra respirar. E minha letra, tão feia. Tão diferente das fontes (também feias) que uso. Ao menos as palavras que escrevo errado não ganham os sublinhados vermelhos que me desconcentram.

Pausa para outra mariola. Essa vez, vou tentar mante-la sobre a língua, evitando os abraços grudentos nos meus dentes. Hm...much better...

Meu olhar vago é atraído pela cortina agitada. Ela dança um bolero com o vento. A cortina, como o gênero da palavra diz, é a dama nessa dança. O vento, por sua vez, é o cavalheiro. O vento guia, a dama segue. Por vezes falta delicadeza e a dama-cortina é arremessada bruscamente. A cortina tropeça e o veto retoma o passo.

Eu acredito no vento. Mesmo sem ve-lo, observo o que faz com minha boba cortina.  Ele existe. E tem poder. E assim me relaciono com tudo que não vejo: observo as consequências da existência do invisível.

Forte como o vento essa história de invisibilidade. Até me fez perder a linha de pensamento, que já estava enosada. Quem sabe esse novelo de palavras soltas chegou ao fim.

A dose cavalar de açúcar na minha boca, no meu sangue e (acidentalmente) nos meus cotovelos, melou meu raciocício.
Mas não freou o fascínio que a caneta causava na minha mão esquerta, tão canhota.
- Saudades de ser protagonista, mão ciumenta? - Digitando, a pobrezinha não se sobressai à outra. Agora domina a caneta, e a destra segura o papel, para que reine absoluta.

A caneta perdeu seu caráter indispensável. Deixou de fazer parte dos itens encontrados em qualquer bolsa. Do trio onipresente caneta-agendinha telefonica-kleenex, restou apenas o kleenex. Isso enquanto não inventarem um aplicativo neutralizador de lágrimas e coriza...

Um chá forte de camomila, por favor! Meu corpo precisa dormir,  mas o trem de idéias desconexas movidos a açúcar segue a todo vapor.  Quem sabe, na cama, vire um sonho divertido. Boa noite.

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